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14 dezembro 2011

Brasil patina na corrida tecnológica do carro elétrico

Programa automotivo e IPI favorecem carros convencionais a combustão, mas deveriam prever incentivos a veículos elétricos no país

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Por Ricardo Couto

Recentemente, o presidente mundial do grupo automotivo Renault-Nissan, Carlos Ghosn, disse que países emergentes como o Brasil estão no fim da fila para receber carros elétricos em suas ruas. De acordo com o executivo, a China é atualmente o único país entre os BRICS em condições de desenvolver rapidamente um mercado para esses modelos. Segundo ele, a culpa de o Brasil não receber carros elétricos é dos fabricantes. "Não estamos prontos para isso", admitiu, referindo-se à atual incapacidade de produzir baterias para uma demanda maior que a esperada dos países desenvolvidos. Em outra declaração, o executivo disse que o Brasil estava mais interessado nos programas do etanol e do pré-sal e que o sistema de transporte com veículos elétricos não era prioridade no país.

Ghosn acertou num ponto e errou em outro: o Brasil, é certo, ainda não tem tecnologia para construir o carro elétrico e também não está preocupado com isso. Mas tem condições, sim, de abrigar fabricantes que a desenvolvam em parceria com sócios nacionais. Só que falta uma política de planejamento e de incentivos ao setor. Afinal de contas, assim como as grandes cidades europeias, as metropoles e motoristas brasileiros também padecem dos mesmos males, como megacongestionamentos, poluição veicular e os altos preços dos combustíveis.

Então, como se explica o fato de uma empresa de tecnologia de ponta, como a chinesa BYD, ter feito um acordo para a implantação de uma fábrica de carros elétricos e de baterias na Argentina? Além da fabricação local desse tipo de veículo, o acordo prevê transferência de tecnologia. Se é possível fazer isso lá, também é possível aqui. Afinal, o Brasil está entre as maiores economias do mundo, é o quinto maior mercado de automóveis, e não pode perder o bonde da história e continuar sendo um país exportador de commodities.

De acordo com Evaldo Costa, diretor-presidente do Instituto das Concessionárias do Brasil, especialista em carros elétricos e consultor de mercado automotivo, os fabricantes só instalam laboratórios de pesquisa e desenvolvimento em países onde há incentivos do governo. “O Brasil não tem programa nem regulamentação para veículos elétricos. As fábricas que estão aqui são empresas globais. É só uma questão de querer investir, porque tecnologia elas têm para isso. Falta incentivo do governo. O Brasil poderia ser uma grande vitrine para o carro elétrico, principalmente agora que vai sediar a Copa do Mundo. Vamos ficar muito defasados.”

Segundo Costa, o país não tem estímulos nem programas-piloto de transporte coletivo com veículos elétricos modernos nas grandes cidades. “Se as montadoras apresentassem projetos, o Brasil teria competência para desenvolvê-los.” Este mês, o governo brasileiro deve republicar o decreto que prevê um aumento de 30 pontos percentuais do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para os carros importados, além de um novo programa automotivo, que inclui a exigência de maior participação de conteúdo de peças nacionais nos veículos e a cobrança de evolução tecnológica para as fábricas já instaladas no país. A regulamentação, que sobretaxa apenas os veículos importados, vai contra o regime de livre mercado, pois dificulta a concorrência direta dos produtos estrangeiros com os nacionais, e cria uma reserva de mercado para os fabricantes aqui já estabelecidos.

Para Evaldo Costa, o pacote do IPI não deve trazer novidades para o setor em termos de redução de alíquotas para os veículos elétricos, o que já seria um estímulo para a importação, comercialização e produção desses modelos no país. Mas a medida pode ter o efeito contrário, pois a evolução tecnológica não pode ser garantida por decreto, como aconteceu no Brasil com a fracassada proibição da importação de veículos nos anos 70 e a proibição da importação de componentes eletrônicos nos anos 80, com a reserva da informática, que fez o país acumular décadas de atraso. A inovação é uma decorrência natural de mercado e surge quando há competitividade e livre concorrência com outras empresas.

O estranho em tudo isso é que o Brasil já vinha iniciando uma revolução no setor automotivo. As condições de mercado começaram a mudar recentemente com a chegada dos carros chineses e coreanos, oferecendo mais equipamentos de ponta por um preço mais baixo. A primeira reação dos fabricantes locais foi reduzir seus preços e oferecer mais itens de série em seus carros. O próximo passo na escala da evolução deverá ocorrer a partir de 2014, quando de acordo com as atuais normas de segurança brasileiras, todos os fabricantes locais deverão oferecer obrigatoriamente airbag e sistema de freios ABS nos carros “nacionais”. Vale lembrar que com a maior escala de produção, a tendência é de esses equipamentos terem seus custos reduzidos e trazer com eles outras tecnologias agregadas, como controle de estabilidade, controle de recuo em ladeiras e controle de tração, que funcionam em conjunto com esses sistemas.

Quanto a isso, já estamos garantidos. A única tecnologia que não dominamos até agora é da construção de veículos elétricos, de baterias e de sistemas de recarga. Também não temos programas pilotos de implantação de transporte coletivo com ônibus elétricos, movidos a bateria, nas grandes cidades. O carro elétrico sequer conta com um tratamento diferenciado de IPI: o imposto desse veículo é o mesmo de um automóvel a gasolina, apesar de consumir bem menos energia e ser totalmente limpo, com emissão zero de poluentes.

Esse assunto, provavelmente, não deverá constar do decreto do programa automotivo a ser anunciado em Brasília.

Sem uma política de incentivos e estratégia de médio prazo para o segmento de veículos elétricos, o Brasil vai com certeza ficar para trás na corrida para o domínio da tecnologia do futuro e continuar sendo um exportador de café, carne, ferro e cereais...

Fonte: Autonews

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